Quando o telegrama chegou, fiquei muito confuso, telegrama é uma coisa muito antiga e pouco usada, quem me mandaria um telegrama? Abri e li aquelas poucas palavras que dizia: “comparecer ao cartório de registro de imóveis amanhã as 8 horas da manhã com urgência”. Não sei o que pensei na hora, continuei a ler o endereço, confirmei que era mesmo um Cartório de Imóveis, e joguei o telegrama sobre a cômoda. No dia seguinte levantei cedo, peguei o telegrama, avisei minha esposa e sai para o Cartório. Chegando lá, havia um homem de meia idade na porta, ao me ver ele sorriu, veio ao meu encontro e se apresentou dizendo que representava um escritório de advocacia, que estava me aguardando para ler o testamento. Não sei se fiquei momentaneamente surdo, louco ou deixei de entender o português, testamento? Que testamento? Quem morreu? Ele estava falando com a pessoa certa? Creio que ele percebeu minha confusão quando ele disse: - Venha Paulo, entre que vou te explicar. Lentamente fui entrando acompanhando aquele homem, como ele sabia meu nome? Eu tinha muitas dúvidas sobre o que eu fazia ali, quem havia morrido? Entramos em uma sala com uma enorme mesa, várias cadeiras vazias, mas uma delas estava ocupada por um senhor de idade avançada, ele sorriu e me mandou sentar, em sua frente havia um envelope de onde ele tirou um papel velho e começou a ler, demorou um tempo até que eu conseguisse entender o que ele estava lendo, era um testamento de um senhor chamado Bartolomeu, durante uns minutos, enquanto aquele senhor lia, eu pensava quem seria Bartolomeu, até que o homem do cartório me disse que o advogado me explicaria os detalhes, pelo pouco que entendi, este falecido era um parente distante da minha falecida mãe, e eu era seu único herdeiro, me deixou um pouco de dinheiro e uma casa de campo com um terreno muito grande, que já estava na família a anos e eu não poderia me desfazer dela pelos próximos 15 anos.
Aquela manhã foi mesmo
conturbada, depois da leitura do testamento o advogado que este meu parente
desconhecido contratou, me explicou tudo, Bartolomeu era um tio de minha mãe,
que havia se afastado da família a muitos anos, e se isolado em uma casa de
campo, após anos vivendo sozinho ele deixou tudo que tinha para minha mãe, que
já estava falecida, portanto tudo era meu, uma pequena quantia em dinheiro e
esta casa, pelo jeito era uma casa grande, com um terreno enorme e bem isolada,
assinei papeis, entreguei copias de documentos pessoais, registramos documentos
naquele cartório, e resolvemos as burocracias, muitos documentos só ficariam
prontos dias depois, mas no final daquela manhã, o advogado me entregou um
molho de velhas chaves, um documento de posse provisória da casa e um mapa de
como chegar a casa. Tudo estava muito confuso em minha cabeça quando cheguei em
casa naquela tarde, minha esposa Priscila estava ansiosa para saber o que
houve, e aos poucos fui explicando, ela parecia tão confusa quanto eu, não
conheci muitos parentes, sou filho único e minha mãe nunca falava muito da
família dela, então decidimos que no próximo final de semana iriamos conhecer
aquela casa de campo que herdei.
No sábado, por volta das 6 horas
da manhã, já com as malas arrumadas e colocadas no carro, partimos para um fim
de semana na nova casa, pelo que o mapa indicava era quase na divisa do estado,
então teríamos algumas horas de estrada, rumamos com destino ao interior,
estava um dia lindo e ensolarado, fizemos uma parada para tomar um delicioso
café da manhã, e continuamos, cerca de 3 horas depois, seguindo a indicação do
mapa, saímos da rodovia e pegamos uma pequena estrada urbana, a distância entre
uma casa e outra era longa, mas 10 quilômetros depois entramos em uma rua
de terra, nos esforçávamos o máximo para
seguir o mapa, pois percebemos que não havia nenhuma residência no caminho para
nos socorrer caso nos perdêssemos, para piorar o tempo começou a mudar, um
vendo gelado e um chuvisco fino nos envolveu, a mata em nossa volta ficava mais
densa, nos perder seria difícil, pois haviam poucas bifurcações no caminho e o
mapa era bem claro qual caminho pegar, a visibilidade estava prejudicada, mas
durante o caminho pude ver um velho senhor capinando um terreno a beira da
estrada, ele parou da capinar e ficou nos observando passar, acho que foi a
primeira pessoa que vi depois de pegarmos esta estrada de terra pensei. Por ser
uma estrada bem acidentada, não conseguia ir mais rápido que 20 quilômetros por
hora, e chacoalhávamos muito, a estrada já estava bem estreita quando próximo
ao carro vindo pela estrada em nossa direção uma senhora caminhava com uma
trouxa de roupas em sua mão, ela nos deu sinal e eu parei o carro:
-Bom dia Senhora, tudo bem?
Cumprimentei-a
- Vocês não estão a caminho da Mansão
Zelofeade? Muito cuidado naquele lugar, ele ainda habita aquela casa. Disse
aquela senhora com um ar sombrio, e antes que falássemos alguma coisa ela se
afastou apressadamente, Priscila e eu nos olhamos sem falar nada e quando olhei
no retrovisor, ainda parado naquele local, não mais avistei aquela senhora,
juntos minha esposa e eu olhamos para traz, e não vimos mais aquela senhora,
foi muito estranho, mas continuamos nosso caminho sem falarmos sobre o
ocorrido, algum tempo depois a estrada se abriu um pouco e a nossa frente
avistamos uma enorme casa.
Um enorme portão de ferro fundido
em sua frente, deixava a entrada muito imponente, peguei o molho de chaves e
desci do carro, o vento era muito gélido e a garoa não ajudava, agora ainda
avia uma neblina que não nos deixava ver direito casa, demorei alguns minutos
mas consegui abrir o portão, Priscila assumindo o volante adentrou com o carro,
fechei o portão e me juntei a ela para pegar as malas, porém, paramos para
vislumbrar aquela enorme casa, muitas janelas, torres, com aparência de
castelo, uma entrada imponente, o que mais assustava era a aparência de
abandonada, o tempo todo me vinha na cabeça que uma reforma seria caríssima,
fora o trabalho para cortar todo aquele mato, pela primeira vez me ocorreu que
eu não sabia nada sobre meu tio avo Bartolomeu, nem mesmo quando ele faleceu, o
que pela aparência da casa, parecia ter sido a muito tempo, subimos uns degraus
de pedra e chegamos a porta, testei várias chaves, até que uma se encaixou, foi
um pouco difícil gira-la, mas consegui, empurrar a porta foi outro trabalho que
só conseguimos juntos, com um rangido de ferrugem sendo forçado a porta se
abriu, uma sala enorme estava agora a nossa vista, moveis cobertos com velhos
lençóis, chão empoeirado, quadros antigos em todas as paredes, portas que
levavam a outros cômodos nos cantos da sala e no fundo ao cento uma enormes
escada que levava ao andar superior e um velho homem parado no centro da
escada. Deu um salto, e disse: - quem é você? Priscila agarrou meu braço e
disse: - com quem está falando amor? Olhei para ela incrédulo que ela não
estava vendo aquele homem, era um senhor aparentando uns 70 anos, com um terno
preto, uma cartola e apoiado em uma bengala, apontei para a escada e disse:
-Com ele é claro! Mas, quando me virei para onde meu dedo apontava, só estava a
escada vazia, minha esposa ficou brava e me disse para parar de tentar
assusta-la, pois, aquela casa já era suficientemente assustadora. Não sei
explicar, eu jurava ter visto alguém ali, ou teria sido fruto da minha
imaginação? Enfim, deixamos as malas ali a juntos fomos explorar a casa, na
porta do lado esquerdo da sala, levava a uma cozinha ampla e com muitos
armários, pia grande e um fogão a gás, antigo, mas bem conservado no centro do
cômodo, uma porta no canto que levava a uma lavanderia e ao quintal dos fundos.
A porta do lado direito da sala levava a uma grande e aconchegante sala de
jantar, com uma mesa em madeira bem lustrada com 12 lugares, acesso a uma
biblioteca e a um escritório bem iluminado, em todas as paredes quadros de
paisagens e um ou outro quadro de alguma pessoa com roupa da década de 40 ou
50, a biblioteca era apinhada de livros, grandes e com aparência de antigos. Na
grande sala central ainda existiam portas que ocultavam banheiro para visitas,
que não tirariam a privacidade do andar superior e um corredor próximo a escada
que levava a dois quartos de visitas. Subimos a escada para conhecer o andar
superior, dois longos corredores com diversas portas, em sua maioria quartos,
dos quais haviam suítes e quartos simples, no fim de cada corredor grandes
banheiros e uma escada de madeira que levava ao sótão. Era uma casa muito
grande e luxuosa para ser de campo, ou para ter apenas um só morador, aquela
casa pelo tamanho deveria ter no mínimo uns cinco funcionários para mantê-la
limpa e organizada, cansados da viagem resolvemos tomar um banho, pegamos
nossas coisas e escolhemos o maior quarto para ficarmos, era uma suíte linda,
com uma cama de casal enorme e em seu banheiro havia uma imensa banheira,
Priscila logo quis aproveitar, demos uma rápida limpada neste banheiro e
enquanto eu desci para procurar algum produto para limpar o quarto ela ficou
aproveitando a banheira. Na área de serviço abri diversos armários, achei
vassoura, rodo, panos e produtos, mas nada de aspirador de pó, o que logo
percebi é que não há nesta casa nenhum produto eletrônico exceto uma velha
geladeira, nem televisão havia na casa, ainda na área de serviço eu observava o
mato grande ao redor da casa pensando quando teria sido limpo pela última vez
aquele quintal, me lembrei do senhor capinando o terreno na estrada e que eu
poderia contrata-lo para limpar o terreno da casa, ainda não havia explorado ao
redor da casa, não sabia sua extensão, mas não conseguia ver o final dos muros
com este mato alto e a neblina, sentia um frio que não pensei que faria naquele
fim de semana e resolvi voltar para o quarto e tomar um banho. Quando retornei
para o quarto, Priscila estava com a minha toalha enrolada ao corpo e a dela
enrolada na cabeça para secar os cabelos, ela sempre foi uma mulher
deslumbrante, sua beleza era notada em todo lugar por onde ela passava, ela
olhou para mim e disse:
- Cadê a calça que pedi parra
você pegar no carro amor?
-Pediu? Não me lembro de ter
pedido isso. Respondi intrigado
- Na hora que você me entregou a
toalha para eu tirar o sabão que havia entrado nos olhos, não se faça de bobo.
Ela disse sorrindo.
- Mas amor, eu não te passei a
toalha, sai do quarto antes de você entrar no banho e só voltei agora com estas
coisas. Respondi mostrando os objetos de limpeza que estavam em minha mão.
Se vestindo com as roupas que
estavam na mala no quarto, ela me olhou e disse, que ela mesmo pegaria a calça
e que era a última vez que ela falava para eu parar com estas gracinhas. Mas eu
não estava com gracinha, depois que eu tomei um banho rápido, falei para ela dá
ideia de chamar aquele senhor para capinar o quintal, e que teríamos que ir até
a cidade comer algo, então fomos de carro até a cidade, pelo caminho falávamos
de como a casa era grande, de que seria legal vende-la, mas era uma pena ter
uma clausula de não poder vender em menos de 15 anos, atentos por onde
passávamos, não avistamos o velho que capinava, provavelmente por causa do frio
que estava fazendo ele não estava mais ali, estranhamente, ao chegar na pequena
estrada asfaltada o tempo se abriu, um lindo sol e um dia quente se mostrou
novamente para nós, e ficamos muito felizes por ter melhorado, em pouco tempo
achamos a beira da estrada um pequeno restaurante, muito aconchegante com uma
placa que dizia “ Comida Caseira da Dona
Tere” entramos, uma senhora muito simpática veio nos atender, se
apresentou, era a dona do restaurante, Terezinha era seu nome, nos ofereceu o
especial do dia que era um delicioso arroz com feijão na panela de barro, com
filé de frango à milanesa, salada de folhas de alface, e nos deu de cortesia um
delicioso suco de limão, muito refrescante, a comida estava deliciosa, muito
bem temperada, foi uma delícia almoçar ali,
como era um pouco distante da casa, resolvemos comprar coisas para fazer
um lanche a noite, quando fomos pagar aquela simpática senhora ainda nos deu um
pequeno desconto, conversando resolvi perguntar se ela conhecia alguém que
faria serviços gerais na casa, ela falou que conhecia alguns moradores da
região e que fariam bons preços, e perguntou:
- Então vocês compraram uma casa
em nossa região? Vão morar ou será para descanso?
- Na verdade recebi de herança de
um tio avô que não conheci, ele faleceu e deixou para mim. Respondi sorrindo
- Que triste, mas não me lembro
de nenhuma morte por aqui nos últimos tempos, quem era seu tio avô? Perguntou
ela
- Bartolomeu, Bartolomeu Brown,
morava na Mansão Zelofeade. Mas parei de falar ao ver a expressão no rosto
daquela senhora.
- Não mora ninguém naquela casa a
anos, Bartolomeu morreu nos anos 70 e ninguém mais morou naquela casa, tem
certeza de que está falando realmente da casa de Bartolomeu Brown? Perguntou
ela com uma expressão estranha no rosto – Dificilmente você encontrará alguém
que queira trabalhar nela - completou
Não sabia bem o que pensar ou
responder, o que haveria em uma casa que assustaria as pessoas? Agora sabia que
este meu tio avô já havia falecido a nos, mas porque só agora revelariam este
testamento? Intrigados com algumas questões, minha esposa e eu entramos no
carro e pegamos o caminho de volta a casa, poucos falamos sobre o que ouvimos
da dona do restaurante, mas concordamos que ela pareceu ter medo da casa e que
talvez esta seria a única noite que passaríamos nela. Começamos e ficar
intrigados também o tempo ao pegarmos a estrada de terra de volta para a casa,
novamente o tempo fechou, muito frio, uma garoa fina e muita neblina, olhamos
um para o outro e não falamos nada, mas no olhar entendi que ela estava confusa
com aquele tempo tão diferente, e eu também estava, poucos metros depois de
pegarmos a estradinha de terra avistei aquele homem que capinava, ele ainda
estava capinando um terreno a beira da estrada, estranhamente me pareceu que
ele estava no mesmo ponto onde o encontramos pela manhã, mas o terreno não
estava capinado, parecia que ele estava começando a capinar, novamente ao nos
ver o homem parou de capinar e ficou nos observando, parei o carro ao lado do
terreno e baixei o vidro, o frio era estremo, o homem de macacão antigo
apoiou-se no cabo da enxada e ficou me observando.
- Boa Tarde Senhor – cumprimentei
e ele só acenou com a cabeça – Sou o herdeiro da Mansão Zelofeade, preciso de
alguém para capinar e limpar o terreno dela, o senhor tem interesse? –
Perguntei.
Ele me olhou fixamente, mau pude
ouvir seu sussurro que dizia: - Começarei amanhã a limpar o terreno senhor. –
ele se virou pegou sua enxada e entrou no terreno que limpava e sumiu no mato.
- Homem estranho esse – comentou
Priscila e eu concordei com a cabeça.
Mas o importante era que
conseguimos alguém para limar o terreno, não combinamos nada, mas no dia
seguinte pela manhã falaríamos sobre pagamento, pelo tamanho do terreno, ele
levaria vários dias para limpar. Continuamos nosso e antes de chegar a casa
vimos uma senhora, a mesma senhora que vimos mais cedo, com a mesma roupa, a
mesma trouxa de roupa nas mãos, nos deu sinal novamente para parar, abri a
janela e ela disse: - Vocês não estão a caminho da Mansão Zelofeade? Muito
cuidado naquele lugar, ele ainda habita aquela casa.
- Quem habita a casa? Do que a
senhora está falando? Quem é você? Para onde você está indo? - Eu perguntava,
mas ela já continuava a caminhar sem falar mais nada e ignorando as minhas
perguntas.
Ao chegar na casa percebemos
diversas lamparinas acesas, mas não havíamos acendido nada, será que alguém
entrou na casa? Claro que já estávamos ficando assustado com estes
acontecimentos, peguei a chave de roda no carro, e lentamente fomos entrando, a
porta pareceu mais fácil de abrir, empurrei lentamente, uma senhora acabara de
entrar para a cozinha, suas vestes pareciam de uma antiga empregada, o lustre
da sala estava aceso e deixava tudo bem iluminado, olhando para a porta que
dava para a cozinha chamei: - Senhora? Senhora? Senhora? – Mas não ouve
resposta, com minha esposa agarrada em minhas vestes, caminhei lentamente e
muito atento em direção a cozinha e chamei novamente: - Senhora? Senhora?
Senhora? A alguém aí na cozinha? – Ninguém respondeu, entramos na cozinha e não
havia ninguém, saímos pela porta da área de serviço, o tudo estava vazio, demos
a volta na casa e entramos novamente pela porta da frente, não encontramos
ninguém, o lustre estava apagado, a sala mal iluminada, procuramos um
interruptor, ou onde acender o lustre, mas não achamos, subimos a escada, e eu
ainda estava com a chave de rodas na mão, olhamos quarto por quarto, até
chegarmos no que deixamos nossas malas, não encontramos nada nem ninguém na
casa, aquela senhora havia desaparecido completamente e misteriosamente,
decidimos descer e trancar a saída de serviço,
e limpar o quarto que passaríamos a noite, combinamos que depois de
conversar com o senhor que limparia o terreno iriamos embora e só voltaríamos
no outro fim de semana, com tudo mais tranquilo. Após limparmos o quarto e já
cansados, resolvemos nos deitar e descansar um pouco, a cama era enorme e muito
aconchegante, apesar de aparentar muito velha o colchão ainda estava em muito
bom estado de conservação, deitamos abraçados e logo adormecemos, meu sono foi
muito perturbado, não sei explicar bem, mas tive sonhos estranhos com aquelas
pessoas que estavam nos quadros, com pessoas andando pela mansão o tempo todo,
mas o mais estranho foi sonhar com o Senhor de Cartola e Bengala, entrando
lentamente no quarto, ele nos observava dormir, lentamente ele se aproximou da
cama, sentou-se à beira da cama em frente a Priscila e com sua mão pálida
acariciou seu rosto, mesmo dormindo pude sentir o peso de alguém sentando-se na
cama, mas o que me acordou foi o grito de minha esposa, ela levantou-se de um
salto, me empurrando e chorando, estava muito nervosa e eu não entendia o que
estava acontecendo, abracei ela e perguntei o que estava acontecendo: - Um
Homem, velho, de Cartola na cabeça, sentou-se ao meu lado e me acariciou o
rosto, sua mão era fria como gelo, ele sussurrou algo que não entendi, tinha um
homem aqui, eu sei que tinha. – Dizia ela aos prantos e muito nervosa.
Eu estava perplexo, aquilo era um
sonho, ou realmente aconteceu? Mas como poderia ela e eu termos o mesmo sonho,
ainda abraçando minha esposa notei que já havia anoitecido, procurei o
interruptor do quarto com a lanterna do celular, e ao encontrar, ele não
funcionou para acender as luzes, a casa estava muito escura, Priscila dizia que
queria ir embora, mas naquela escuridão era melhor esperar o dia clarear,
expliquei para ela que seria melhor, e que o Capinador viria de manhã para
negociarmos, mas você sabe o que é pior do que estar em um local estranho? É
estar em um local ensurdecedoramente silencioso. Tranquei a porta do quarto
para dormirmos, deixei a chave de rodas perto de mim, mas quem disse que
conseguia dormir, ouvia barulho de panelas, ouvia passos, ouvia vozes, e quando
perguntava para minha esposa se ela ouviu algo ela dizia que não, quando ela me
dizia ter escutado e não escutava, , duas ou três vezes fui até a porta e a
abri ao ouvir passos no corredor, mas não havia nada, decidi fingir para ela
que eu não estava escutando nada, não conseguimos dormir, não pregamos os olhos
um minutos se quer, ficamos abraçados, ela estava muito assustada, confesso que
eu também estava com medo, mas não queria demonstrar, a noite foi muito, muito
longa, cada musculo do meu corpo doía e meu cérebro estava muito alerta,
lentamente o quarto foi se iluminando com a claridade do dia, levantamos e nos
aprontamos para sair do quarto.
Ao abrir a porta do quarto,
levamos um susto, por casa dos barulhos que ouvimos a noite toda eu estava com
a chave de rodas na mão, não sabia o que esperar, mas sabia que aquilo eu
jamais esperaria, o corredor estava bem iluminado, e totalmente limpo, não existia
mais nenhum pó naquele corredor, cortinas limpas e bem colocadas, os quadros
limpos e no lugar, fomos andando lentamente em direção as escadas, estava limpa
e com o corrimão bem lustrada, enquanto estávamos descendo, duas senhoras bem
limpas e com roupas de serviçais dos anos 60 passaram pela sala principal sem
olhar para nós, a sala estava bem iluminada, o sol começou a entrar pelas
janelas e um homem bem arrumado com um terno tipo pinguim, gravata borboleta e
luvas brancas nos olhava aos pés da escada, sorriu e disse: - Bom dia senhor e
Senhora, seu café esta servido. - ele
apontou para a sala ao lado, uma jovem senhora abriu as portas de uma sala bem
iluminada, colorida e muito limpa, no centro uma mesa, nela posta o café da
manhã com muitas frutas, sucos, um bule de chá e um de café, alguns tipos de
pães, e bolachas amanteigadas que cheiravam deliciosamente, sentamos a mesa, e
olhando para aquele homem bem vestido perguntei: - Quem é você?
- Sou Jaime, senhor, seu criado.
- Respondeu ele fazendo uma reverência e indicando que sentássemos. - Seu café
esta servido. – Completou.
Sentamos a mesa, tudo que
gostávamos estava posto a mesa, Jaime cochichava ordens aos criados e eles
atendiam, mas de onde apareceram estes criados? Será que estava descrito em
alguma parte do testamento? Como eu pagaria tantos funcionários? Será que meu
tio avô me deixou dinheiro suficiente? Enquanto comíamos, estas questões não
saiam de minha cabeça, terminamos de comer e saímos da mesa, fomos em direção a
grande sala quando Jaime nos abordou: - Senhores, no almoço será servido peixe
e cordeiro existe algo que deseja pedir?
- Não Jaime, apenas precisaremos
entender algumas coisas com o advogado – respondi pensando em como pagaria tudo
aquilo – vem um senhor para negociar a limpeza do quintal agora de manhã, me
chame quando ele chegar. – Completei.
- Não será necessário senhor,
nosso jardineiro já cuidou de tudo – respondeu ele prontamente.
Realmente, ao sair para o quintal
notamos que tudo estava em perfeita ordem, o gramado estava lindo, flores
lindas e coloridas, as gradas e o muro estavam pintados e o portão até brilhava
de tão lindo, ao longe, no fundo do quintal, avistei aquele velho carpinteiro,
usava o mesmo macacão, porém, estava muito limpo, parou de varrer, nos observou
e sorriu, eu estava perplexo, então todo
aquele barulho a noite era os criados do meu tio avô cuidando da casa, mas como
era possível eles terem feito tanta coisa em tão pouco tempo? Enquanto eu me
questionava, Priscila passeava pelo jardim, ela sempre foi apaixonada por
flores, e realmente estava magnifico, aproveitamos aquela manhã ensolarada no
jardim, realmente o dia estava lindo. Após um delicioso almoço, aprontamos as
malas e avisei a Jaime que iriamos voltar apenas no próximo final de semana, ele
se prontificou e disse que cuidaria da casa, ao descermos as escadas avistei um
homem de meia idade e bem vestido, estava de terno bem alinhado e usava uma
bengala para se apoiar, ele falava com uma senhora, eu a reconheci, era a mesma
senhora que vimos duas vezes na estrada, ele não notou minha presença, mas
percebi que ele estava muito bravo com aquela senhora, não compreendi muito o
que ele falava, mas pelo seu tom e pela expressão de medo no rosto dela, ele
estava brigando com ela, me afastei e pedi a Jaime que intervisse e sessasse
aquela bronca, ele me olhou um tanto assustado, e só acenou com a cabeça,
entrei no carro, Priscila já me esperava, nos olhamos e sorrimos, como era
incrível ter recebido tudo aquilo em herança, pegamos a estradinha de terra, e
logo chegamos na estradinha asfaltada, quando avistamos o restaurante do dia
anterior minha esposa pediu que eu parasse para comprar algo para beber durante
a viagem de volta, descemos do carro e entramos no restaurante. Dona Tere ao
nos ver sorriu e disse: - Queria mesmo ver vocês, consegui uma pessoa para
limpar seu quintal, mas não será barato – disse ela sorrindo.
-Não será mais necessário, já
está tudo limpo e arrumado, Jaime tomou conta de tudo – Respondi
- Jaime? O Mordomo? – Quem te
falou de Jaime? – Perguntou ela com um ar sombrio.
- Ora, ninguém me falou dele,
falei com ele assim que acordamos, ele e vários serviçais estavam na casa,
prepararam nosso café, limparam a casa e o quintal, pessoas muito boas que
trabalham lá – informei a ela, agora olhando há fixamente pois havia em seu
rosto uma expressão assustada.
- Senhor, me ouça, quem quer que
o senhor tenha visto, não pode ser o Jaime, acho que o senhor não sabe o que
houve naquela casa, a muitos, muitos anos atrás, o Senhor Bartolomeu Brown comprou
estas terras, nelas haviam apenas uma pequena igreja, uma pequena cabana e um
cemitério indígena, haviam boatos que muitos rituais eram feitos naquelas
terras antes do senhor Brown compra-las, ele foi alertado pelo último guardião
das terras o Xamã, Apoema que significa “aquele que vê mais longe”, que seria um grande erro se ele construísse
qualquer coisa sobre as terras sagradas, mas ele ignorou o aviso. Pouco tempo
depois muitos operários, muito material de construção e muitas maquinas
ocupavam o terreno, houve muitos acidentes, andaimes que caíram com operários,
muros derrubados, muitos operários disseram que não voltariam porque eram
terras amaldiçoadas, que viam os espíritos dos índios vagando por lá, foi uma
construção difícil, aconteceram cinco mortes durante a construção, e muitos
operários juravam ter vistos seus amigos mortos ainda exercendo suas funções
durante a construção. Por fim, uma casa grande e imponente para uma casa de
campo, mas logo o Senhor Brown veio morar com sua família, uma adorável esposa
e seus dois filhos, todos bem vestidos e muito educados, muitos moradores da
cidade foram chamados para trabalhar na casa, cozinheiras, governanta,
arrumadeiras, jardineiro e Jaime o Mordomo. Em pouco tempo uma tragédia
acometeu a família, uma doença inexplicável levou a morte os filhos do casal, o
que deixou a esposa adoecida de tão triste e o Senhor Brown a beira da loucura,
ela já não se levantava e falavam que ela não saia mais do quarto, o marido
sentava-se ao lado dela na cama em cada refeição, mas ela não comia nada,
durante oito meses após a morte dos filhos ela definhou e por fim faleceu, o
Senhor Brown enlouqueceu por completo, trancou a mansão e assassinou um a um
dos seus funcionários, começou pelas cozinheiras esfaqueando-as, cortando a
garganta, liberou o gás do fogão, e circulou a casa, uma arrumadeira estava nos
fundos esticando os lençóis no varal, ele a atacou com uma barra de ferro, sem
lhe dar nem chance de reagir, entrou na casa e trancou a porta, subiu aos
quartos e pegou uma arma, atirou na arrumadeira que saída de um dos quartos,
Jaime o Mordomo estava na biblioteca e ouviu o barulho, saiu rápido para ver o
que havia acontecido, e deparou com o Senhor Bartolomeu Brown no meio da
escada, parado olhando fixamente para ele, sempre bem vestido, terno alinhado
mas agora sujo de sangue, em uma das mãos uma bengala ao qual se apoiava, ele
não tinha nenhum problema físico, mas sempre achou elegante usar a bengala, e
na outra mão uma arma, ele atirou em Jaime antes que ele pudesse ter qualquer
reação e depois atirou na própria cabeça, ali no meio da escada. Uma senhora
que trabalhava na casa conseguiu escapar, dizem que saiu de lá tão perturbada
que até hoje veem seu espirito vagando pela pequena estrada para avisar para as
pessoas se afastarem de lá, e o jardineiro, um homem de meia idade muito
simpático e prestativo que só escapou porque estava capinando o terreno
distante da casa onde viviam uns animais. Por isso te disse que era impossível
ter visto Jaime o Mordomo na casa, todos da cidade tem medo de chagar perto
dela, quem conseguiu chegar perto dela disse que dá para escutar gritos e
gemidos de dor, que a noite se ouve barulhos dos empregados trabalhando, mas
ninguém, ninguém da cidade tem coragem de entrar nem na estrada de terra que
leva a Mansão Zelofeade, você sabe o que significa este nome? – Perguntou ela
olhando fixamente em meus olhos, fiz que não com a cabeça - Falam-se de vários significados, mas um deles
é “SOMBRA DO PAVOR”, por isso peço
encarecidamente, fiquem longe daquela casa, não pode haver nada de bom em um
lugar com tantas tragédias.
Aquela história que ouvimos era
incrível, mas nada fazia sentido em minha cabeça, agradecemos Dona Tere por
seus relatos e pelo tempo dedicado a nós, mas minha cabeça girava com tudo
aquilo, Priscila estava atônica e dizia que nunca mais iria lá, eu disse que
antes de irmos queria voltar e ver quem era aquele homem que se apresentou como
Jaime, iria fingir não saber de nada, e depois chamaríamos a polícia para tirar
aquelas pessoas da casa, voltei pela estrada, quando cheguei a estrada de terra
novamente o tempo mudou, muito frio, neblina e aquela garoa fina, desta vez
isso gelou minha alma, aquela história não saia a minha cabeça, logo avistei o
homem que capinava, ele parou de capinar e nos olhou, não parei o carro,
continuei sem olhar para ele, pouco a frente uma senhora caminhava com uma
trouxa de roupa nas mãos, nos deu sinal para parar, mas a ignorei completamente
e continuei rumo a casa, o portão estava trancado, desci do carro, olhando pela
grade o terreno estava totalmente coberto por mato, como n momento que avistei
a casa pela primeira vez, olhando para as janelas haviam pessoas pelo lado de
dentro e dava para notar as cortinas rasgadas, grades enferrujadas e nenhuma flor
no jardim, todas as pessoas eram transparentes e na porta principal estava meu
tio avô, parado de pé com seu terno preto bem alinhado, porém, coberto de
sangue, em uma das mãos a famosa bengala e na outra uma arma, se olhar era um
misto de sofrimento e ameaça. Voltei para meu carro junto de minha esposa, sai
o mais rápido que pude dali para nunca mais voltar.