quarta-feira, 19 de março de 2014

A Carona

Esta história que vou contar aconteceu com dois amigos meus, Carlos cobrador de ônibus e Ronaldo Motorista, ambos trabalhavam na época na linha 17 que faz o percurso do terminal Tude Bastos até o bairro de Samambaia, eles faziam o percurso das 17h e 30min até a 1h e 30min da madrugada. Ronaldo o motorista é o brincalhão, para ele tudo é motivo de piada, muito querido por todos na empresa é um sádico e incrédulo, leva tudo pro lado da piada e do sarro, pai de quatro filhos, esta na empresa há quase 30 anos, perto de se aposentar foi um dos poucos a aceitar este horário, por outro lado, seu cobrador Carlos é um homem muito serio e muito religioso, respeita a todos os colegas, mas é muito calado, jovem e criado desde pequeno frequentando a igreja aceitou trabalhar com Ronaldo por acreditar que poderia trazer para a vida do motorista um pouco mais de fé.
Na rotina deles, Ronaldo chegava mais cedo ao trabalho para vistoriar de perto o ônibus que iria trabalhar, verificava cada detalhe, a limpeza, o motor e o que ele sempre disse ser o mais importante os freios e depois ficava atazanando seus amigos. Carlos chegava sempre com meia hora de antecedência, cumprimentava os colegas e dirigia-se ao seu posto para abrir o serviço diário, antes de sair lembrava Ronaldo de assinar o ponto, pois mesmo tendo chegado duas horas antes ainda não o tinha feito, e depois ficava dentro do ônibus que trabalharia lendo a bíblia e pedindo proteção, o que Ronaldo sempre dizia ser a melhor coisa de trabalhar com Carlos, ele tinha fé pelos dois.
Em um dia de julho de 1995 eles seguiram suas rotinas de trabalho normalmente, e saíram no horário para fazer seus percursos diários da linha, neste dia Carlos estava falando com Ronaldo de um jornal antigo de mais ou menos dois anos antes que ele havia encontrado, mas o motorista não gostava de ouvir historias de jornal, ele lia todos os dias o atual, por que se interessaria por um antigo, mas era a história que havia interessado a Carlos. Chegaram pontualmente ao terminal Tude Bastos às 1h e 30min, Ronaldo desceu e foi ao banheiro, Carlos logo posicionou o letreiro na palavra GARAGEM, pois sua jornada de trabalho havia terminado, rapidamente contou o dinheiro  e o guardou no cofre do ônibus, anotou e fechou a folha de serviço e sentou-se no primeiro banco do ônibus, Ronaldo se despediu de todos do terminal, do segurança ao faxineiro e subindo ao ônibus sorriu para Carlos e disse: - Pronto pra ir pra Casa companheiro?
- Sempre estou pronto companheiro. – respondeu Carlos.
Dando a partida no ônibus Ronaldo Rumou a garagem onde o deixaria, pegaria seu carro e daria carona a Carlos que morava no caminho de sua casa. Apesar de Carlos não ser muito brincalhão era um bom rapaz e Ronaldo gostava muito dele, o velocímetro do ônibus já marcava 50 km/h antes de pegarem a rodovia rumo a garagem, o cobrador se sentia tranqüilo, pois sabia que seu companheiro era um exímio motorista, logo que pegou a rodovia o velocímetro chegou a 100km/h, Ronaldo as vezes olhava para Carlos pois já havia notado que em certo ponto do caminho independente da velocidade seu companheiro orava mais fervorosamente em certo ponto do caminho. Estranhamente este era o ponto mais escuro do caminho e Ronaldo pensou que o companheiro tinha medo de escuro, ele acendeu o farol alto e de longe visualizou uma mulher, uma senhora de aproximadamente sessenta anos dar sinal no meio da estrada, com as luzes internas do ônibus apagadas e a 100 km/h Ronaldo apenas apontou para o letreiro escrito garagem, havia pensado em parar, mas ali era um ponto que não existia acostamento e seria muito perigoso, ficou chateado por deixar a senhora naquele lugar sem ajudá-la, mas seguiu seu caminho. Ronaldo nunca soube precisar o tempo que levou para os próximos acontecimentos, foi muito rápido, Carlos começou a berrar: - HAAAAAAAAA, HAAAAAAAAAAAA, HAAAAAAAAAAAAAA – eram berros de pavor, completo pânico, sem saber o que estava acontecendo Ronaldo reduziu a velocidade até parar o ônibus para ajudar seu companheiro, ele estaria tendo um mal subido? Pensou, mas não, parou o ônibus e foi até Carlos que só berrava e berrava, mas ele não conseguia falar até que apontou para dois bancos para traz deles, Ronaldo deu um sobressalto, perdeu a fala, empalideceu-se, o que era aquilo? Como poderia? Não, não poderia ser verdade. Sentada a dois bancos para traz estava àquela senhora a quem ele acabava de deixar para traz, em uma velocidade de 100 km/h, incrédulo no que via tomou coragem e disse: - Senhora nós estamos indo para a garagem, não podemos levar à senhora, foi ao painel do ônibus e abriu a porta, sem falar nada a mulher desceu, fez um gesto de agradecimento com a cabeça e desapareceu perante as vistas dos dois homens.
Ronaldo sentou-se atrás do volante e pela primeira vez orou, após alguns minutos deu a partida no ônibus e rumou para a garagem, chegou estacionou o ônibus para lavar e foi se trocar, Carlos apavorado levou o dinheiro e o relatório do dia para a administração, ninguém percebeu seu estado atômico, pois ele sempre fora muito calado, porem, todos estranharam a ver Ronaldo descer do ônibus ir até a pia dos mecânicos para lavar seu rosto e ir para seu carro, logo Carlos foi se juntar a ele para irem para casa. Carlos levava consigo uma pagina de jornal velho que carregava o dia inteiro, ao entrar no carro estendeu o jornal para Ronaldo sem dizer nada, ele o pegou, abriu e leu a manchete: IDOSA É ASSASSINADA POR BANDIDOS EM RODOVIA, seguido pelo artigo: Idosa é encontrada morta em rodovia, algumas pessoas afirmam que ela voltava a pé pela estrada, pois no horário não havia mais ônibus circulando.
- Era isso que eu queria te mostrar Ronaldo – disse Carlos apontando para a foto no jornal – é a mesma mulher que sempre vemos na estrada e que hoje, hoje... aconteceu aquilo.
Os companheiros nunca mais pegaram aquele caminho para retornar para a garagem depois de um cansativo dia de trabalho, até hoje alguns motoristas ainda afirmam ver uma senhora pedindo carona de madrugada nas estradas do litoral paulista, e você dará uma carona?

Escrito por Adriano Dymattos
Com base em uma história contada por um motorista do litoral paulista que jura ter acontecido com ele.

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